Casa Paulo comemora 90 anos
Rogério Verzignasse
Nos fundos do imóvel, a oficina preserva bancadas pesadas, treliças imensas e fiação antiga. Em trechos sem o velho revestimento, aparecem os tijolos imensos da parede, assentados há quase um século. Ali, entre molduras, vidros amontoados e muita poeira, dois funcionários operam serra e esmeril. “Coca” e “Didi”, como são conhecidos os quarentões Humberto Oliveira e Valdemir Tibúrcio, aprenderam o ofício ainda meninos. Hoje, ainda são os quadristas da tradicional Casa Paulo, fundada há 90 anos na Rua Ernesto Kuhlmann, ali pertinho do Mercadão, pelo imigrante checo Frederich Pavlú.
No começo, aquele era um ponto de encontro para artistas renomados. Gente da alta sociedade. Com o tempo, o estabelecimento foi engolido pela metrópole. Precisou mudar para atender um público consumidor com dinheiro contado no bolso. Administrada pela quarta geração da família, a empresa (ainda cultuada por clientes antigos e refinados) hoje recebe a massa que procura por objetos de decoração de preços acessíveis. Gravuras, espelhos, reproduções e figuras de santos garantem o faturamento. As molduras, antes compradas só por amantes de pinturas e decoradores, hoje também servem para enquadrar diplomas, fotos de família e de times de futebol.
O diretor atual é Hans Pavlú Neto, de 30 anos. Administrador de empresas com formação no Exterior, ele teve tudo para fazer carreira profissional de sucesso. Como o irmão mais novo, Franz, engenheiro agrônomo em São Paulo. Ou como a irmã Marcela, dona de uma escola de Educação Infantil no bairro Chácaras Primavera. Hans, ao contrário, optou por preservar a história da família. O avô, beirando os 90 anos, ainda aparece às vezes. Chega pilotando a possante moto BMW, de capacete e macacão de couro, deixando a clientela de queixo caído. Mas seu pai, depois de décadas atrás do balcão, se foi deste mundo. Hans Pavlú Filho morreu em 2005.
Naquele momento de dor, muita gente achou que a Casa Paulo fecharia as portas. A própria viúva, Angélica, achava que Hans Neto, muito jovem, não teria coragem para tocar o negócio. Mesmo porque a loja, rodeada de carrioleiros e camelôs, corria o risco de perder os velhos clientes, exigentes, elegantes. Pois ela teve de dar o braço a torcer. Com a morte de Hans Filho, “Netão” abraçou a missão de modernizar a loja e garantir o faturamento. Claro, nos últimos quatro anos, o jovem trabalhou muito e ficou de cabelos brancos. Mas, em compensação, revitalizou a Casa Paulo.
Primeiro, em um cômodo anexo à loja, funciona uma escola de pintura. O ateliê é lotado. Alunos de todas as idades e classes sociais. O antigo espaço de exposição virou área para o estacionamento de veículos. Foi a maneira encontrada de oferecer comodidade à clientela que não tinha mais onde parar o carro na estreita e movimentada Ernestro Kuhlmann. O galpão dos fundos, 400 metros quadrados que servem de oficina, passa por reformas, que prometem destacar detalhes arquitetônicos e ornamentais.
Quem entra na loja e passa um tempo escolhendo as gravuras, já curte o prazer de estar rodeado por peças dignas de museu. A escrivaninha, o telefone de época, a pesada máquina de escrever, o relógio alemão na parede, cristaleiras requintadas. O acervo original da Casa Paulo, nos tempos do fundador Frederich, foi preservado por Hans, Hans Filho e Hans Neto. Ah, e a linhagem não está no fim. Todo orgulhoso, Netão acaba de ser pai. No dia 17 de julho, nasceu o pimpolho Matheus, que promete ser o diretor de quinta geração. Ah, lógico. O papai sabe que está completamente fora de moda escolher profissão para o filho. Mas, oras, se o garoto quiser manter a tradição no futuro, terá o maior apoio. “Quando a família está envolvida com um projeto, manter uma tradição é um prazer imenso”, diz.